Para acabar com a impunidade em crimes de gênero


Revista Fórum, 26-07-2010

De acordo com Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, o sistema judiciário brasileiro apresenta falhas graves em relação à plena execução da Lei Maria da Penha. Para ela, além dos entraves jurídicos, uma das maiores dificuldades para combater a violência de gênero é lutar contra a sua naturalização


Apesar de ter sido sancionada em 2006 pelo presidente da República, a Lei Maria da Penha ainda não consegue assegurar proteção plena às mulheres vítimas de violência. De acordo com a Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher), a nossa legislação de proteção ao sexo feminino está entre as três melhores do mundo, mas encontra obstáculos para ser executada. “Temos uma formação social que reforça o machismo, ainda vemos casos de mulheres que procuram as autoridades para denunciar e são tratadas como culpadas, como se elas tivessem ocasionado essas agressões”, argumenta Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres.Os casos de Eliza Samudio e Mércia Nakashima ganharam destaque por apresentarem elementos de forte potencial midiático. Mas, infelizmente, eles não são exceção na realidade brasileira. “Qualquer um pode procurar pelos homens que foram presos por matarem mulheres, e não vai achar nenhum. Eles podem até terem sido condenados, mas presos não”, sustenta Nalu. Confira a íntegra da entrevista com a ativista abaixo.


Fórum - De acordo com dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), as denúncias recebidas pela Central de Atendimento à Mulher aumentaram 49% entre 2008 e 2009. Como você enxerga esse aumento, apesar da promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006?


Nalu Faria - Hoje a Lei Maria da Penha é muito conhecida e a Central de Atendimento à Mulher está mais atuante. Antes (da promulgação da lei) os casos de violência contra as mulheres eram mal notificados, mas agora isso está mudando porque as mulheres têm conhecimento dos seus direitos e se sentem mais encorajadas a denunciar. Sempre que há um grande número de denúncias de violência contra o sexo feminino vem a pergunta: será que aumentou a violência ou aumentaram as denúncias? Então, o aumento das denúncias quer dizer também que as mulheres estão mais informadas e conscientes dos seus direitos, pois sabem que a lei deve defendê-las.Outro dia vi na televisão, num desses programas policiais, um policial perguntando a um homem, que havia batido em sua esposa, se ele conhecia a Lei Maria da Penha. Isso demonstra que as autoridades conhecem a lei e a estão fazendo cumprir. Mesmo assim, ainda existe um trabalho de debate e reflexão com as autoridades sobre isso, juntamente com a sociedade.


Fórum - O Estado está preparado para aplicar a Lei Maria da Penha e a legislação de amparo à mulher?


Nalu – Completamente preparado, não. O Brasil é muito grande, e isso dificulta a disseminação de informações. Estaríamos preparados se o debate estivesse realmente implantado em todo país. Temos uma formação social que reforça o machismo, ainda vemos casos de mulheres que procuram as autoridades para denunciar e são tratadas como culpadas, como se elas tivessem ocasionado essas agressões. Sei de casos de mulheres irem à delegacia e ouvirem dos policias: "você deve ter feito alguma coisa pra ter apanhado".Temos que implantar o debate em todos os níveis da sociedade e do governo. No Poder Judiciário, por exemplo, os erros são visíveis. Muitas mulheres são assassinadas mesmo após pedirem proteção das autoridades. Por não reconhecerem a situação de desigualdade de gênero que existe no Brasil, muitos de nossos juízes questionam até mesmo a constitucionalidade da Lei Maria da Penha.


Fórum - Em relação ao machismo, como se pode trabalhar e mudar a mentalidade de homens que acreditam que a violência contra a mulher é algo normal?


Nalu - No que se refere ao poder do Estado, temos que acabar com a impunidade existente em relação a crimes contra mulheres no Brasil. Infelizmente, ela ainda é muito grande. Qualquer um pode procurar pelos homens que foram presos por matarem mulheres, e não vai achar nenhum. Eles podem até terem sido condenados, mas presos não. Então precisamos de medidas que rompam com a imunidade e criminalizem de vez este tipo de violência.Outro ponto é trabalhar no âmbito da prevenção. A violência não acontece de uma hora pra outra, ela passa por um processo de agravamento. Quando alguém sabe que a mulher está apanhando muito do marido, a violência não começou com esse espancamento. Ela começa na desqualificação da pessoa, até que um dia chega à agressão física. No caso do goleiro Bruno (do Flamengo), por exemplo, você vai ver que há um histórico de violência contra algumas mulheres que conheceu.As pesquisas confirmam: a cada 15 segundos uma mulher é assassinada no Brasil. Isso é algo inaceitável. E há uma naturalização tão grande da violência que as pessoas convivem com isso e não sabem como lidar. O debate deve desconstruir essa naturalização e despertar a consciência de que a violência é algo inaceitável.


Fórum - De 2006 pra cá, a partir da aprovação da Lei, quais os maiores avanços no combate à violência contra a mulher que o Brasil presenciou? Em que aspectos ainda precisamos melhorar?


Nalu - Um grande avanço é o aumento no número de denúncias. Com isso temos mais possibilidades de lidar com o problema e saber o que realmente está acontecendo. Outro bom sinal é o incremento das políticas públicas de atenção às mulheres. Isso é sinal de que para combater a violência tem-se que acabar com a desigualdade de gênero.A autonomia econômica das mulheres é outro ponto importante a ser trabalhado. Independência econômica perante o parceiro não é condição suficiente para que a mulher esteja livre da violência. Dados mostram que muitas mulheres falam que não se separam por conta da situação financeira, vinculada ao parceiro. O importante é que a mulher tenha uma autonomia pessoal e acredite que possa viver por contra própria. Essa questão é muito difícil de ser trabalhada, pois envolve um elemento subjetivo, enraizado em nossa cultura.Ainda precisamos nos antecipar ao tema da violência. Trabalhar a questão da autonomia pessoal é conscientizar as mulheres de que elas não podem ficar em uma posição submissa ao homem, onde precisam ceder sempre para agradá-lo, como se fosse a condição para uma relação harmoniosa. São essas atitudes de controle que terminam em violência.


Fórum - Em relação à exposição midiática do caso do goleiro Bruno, este fato pode fortalecer a luta em favor da erradicação da violência contra as mulheres?


Nalu - Isso vai depender do debate e da disputa que fizermos em relação a isso. Nesse caso, há elementos jurídicos que possibilitam a retomada de algumas decisões. Por exemplo, a demissão do Bruno, que pode não acontecer mais. Ou até mesmo o advogado dele, cogitando que a Eliza possa estar viva e esteja fazendo isso para se vingar dele. Se conseguirmos que as acusações sejam provadas, vira um caso exemplar positivamente. O Bruno confiava muito na impunidade, ele não tinha medo de ser preso. Temos que ter uma solução firme neste caso.


Fonte: Revista Fórum

Grupo de estudos encerra o primeiro livro


Carta à Ana Isabel Álvarez González e ao grupo de estudos "Em tempo de Feminismos" de São Paulo


O grupo de estudos de BH gostaria de agradecer a autora e as tradutoras do livro "As origens e a Comemoração do Dia Internacional das Mulheres" por nos ter dado a grande oportunidade de conhecer melhor a história de luta das mulheres. Já é sabido que não a encontraríamos com tantos detalhes nos livros convencionais.

Agradecemos por terem enchido nossas noites de terça-feira com a garra, a perseverança e a solidariedade dessas mulheres. Cada personagem vai ficar na nossa memória.


Sabemos que as dificuldades continuam, que o patriarcado e o capitalismo continuam a nos oprimir, mas temos certeza que as mulheres traçam os caminhos da transformação da história.


Fomos e somos sujeitas da luta política, pelas mais profundas mudanças na perversa ordem social


Mulheres de todos os tempos que constroem a solidariedade do mundo e superam seus limites.


Este livro foi delicioso!


Muito obrigada.


Clarisse, Cíntia, Dehonara, Gabriela, Maiara, Marcela,
Marisaura e Thaiane



Belo Horizonte, 20/07/2010.

Passeata do Dia Internacional da Mulher 1993 - Rio de Janeiro/Brasil





Acervo Memória e Movimentos Sociais
Fonte: http://www.memoriaemovimentossociais.com.br/

UMA VELHA HISTÓRIA


Alessandra Terribili


Nos anos 80, a luta contra a violência contribuiu para fortalecer e consolidar o feminismo no Brasil. As mortes de Ângela Diniz (1979) e de Eliane de Gramond (1981) por seus ex-maridos chocaram o Brasil. Eram mulheres que puseram fim a seus casamentos, e, além da brutalidade dos assassinatos, os dois casos envolviam pessoas conhecidas da opinião pública, o que lhes conferiu ainda mais “notoriedade”. "Quem ama não mata" era a resposta dada pelas feministas àqueles que sugeriam que os homens matavam “por amor”.

Mas não tardou a tentativa de transformar as vítimas em rés, “compreendendo” o criminoso, que teria “perdido a cabeça” por ação delas. Organizadas, as mulheres repudiaram o machismo que levou Ângela e Eliane à morte, e que, depois, buscou incessantemente justificar essas mortes com base na conduta das vítimas. A tal defesa da honra dos homens era reivindicada. O movimento de mulheres não se calou e colocou em questão as insígnias do "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" ou a ideia de que "um tapinha não doi".

O tempo passou e, em 2000, a própria mídia foi pano de fundo para um crime análogo. A jornalista Sandra Gomide foi morta pelo ex-namorado, Pimenta Neves, então diretor de redação de O Estado de São Paulo. O assassinato aconteceu precisamente porque o namoro acabou. Por conta disso, ela sofreu agressões físicas e verbais, perdeu seu emprego, foi perseguida. Neves chegou a ameaçar de retaliações qualquer pessoa que oferecesse trabalho a Sandra. Pela mídia, a moça chegou a ser tratada como "aquela que namorou com o chefe para subir na vida".

Em 2008, outro episódio de violência contra mulher gerou comoção nacional. Eloá Pimentel, com seus 15 anos, praticamente foi assassinada ao vivo e em rede nacional pelo ex-namorado, que a sequestrou e a manteve em cativeiro por cinco dias. A agonia da menina foi acompanhada em tempo real, e ao se tornar a personagem central de uma história dramática, ela, como as já citadas, teve sua vida exposta e sua conduta julgada, apresentada como principal fundamento do comportamento agressivo de seu assassino.

Há poucos meses, a vítima foi Maria Islaine, cabelereira, morta pelo ex-marido diante de câmeras que ela mesma mandou instalar no salão onde trabalhava, julgando que essa atitude a protegeria da violência anunciada. Dias atrás, tivemos a infelicidade de testemunhar o advogado do assassino defendendo seu cliente com o bom e velho “ela provocou”, espaço oferecido por Ana Maria Braga.

Eliza e Mércia

Agora, a mídia tem apresentado as histórias de Eliza Samudio e de Mércia Nakashima como se fossem romances policiais. Convida-nos a acompanhar cada momento, provoca comoção, sugere respostas, vasculha a vida das mulheres mortas e as expõe a julgamento público, sem direito de defesa. A tragédia é exaustivamente explorada, e no final, a lição que fica é: elas procuraram.

Mércia morreu, aparentemente, porque rejeitou seu ex-namorado. Cometeu o desaconselhável equívoco de querer sua vida para si mesma, de não aceitar perseguições, sanções ou intimidações. Entretanto, tem-se falado em traição e ciúmes. E lá vem, de novo, a conversa fiada (e retrógrada) da defesa da honra. Mas é Mércia quem não está mais aqui para defender a sua.

De Eliza, disse-se de tudo: maria-chuteira, garota de programa, abusada, oportunista. Acontece que não importa. Não importa se ela foi garota de programa, se era advogada, modelo, atriz, estudante ou deputada. Ela está morta. Teria morrido qualquer que fosse sua profissão, qualquer que fosse sua atitude. E morreu, aparentemente, porque o pai de seu filho não queria arcar com as obrigações legais e éticas de tê-la engravidado.

Ela nunca vai poder se defender das acusações póstumas. Não vai ao “Superpop” defender sua versão ou sua história. Não vai estampar a capa de “Contigo”, acompanhada de frases de impacto entre aspas. Ela está morta, e o que ela fez ou deixou de fazer, pouco importa agora. E seria prudente, inclusive, evitar julgá-la pelo crime que a matou.

Mais uma vez, a história se repete. Mulheres são mortas por homens com quem se envolveram. Assassinos frios, esses homens tiraram a vida de mulheres confiando na impunidade, porque há quem os “compreenda”. A morte de Eliza e de Mércia parece ter sido calculada e premeditada. E mesmo assim, segue ecoando a ideia de que a culpa é delas, que elas procuraram, que elas provocaram. Assustador.

O espetáculo da violência

Infelizmente, histórias como as de Eliza, Mércia, Eloá, Maria, Sandra, Ângela e Eliane são muito mais comuns do que se imagina. E antes de culminar em assassinato, outras formas de violência foram praticadas contra cada uma delas, como acontece com muitas – as que morrem e as que se salvam.

A espetacularização promovida pela mídia, no entanto, faz parecer que são histórias ímpares e distantes do cotidiano da vida real. Como se o perigo não morasse ao lado, como se muitas não dormissem com o inimigo. Na sua família, na sua vizinhança, no seu local de trabalho, no seu círculo de amigos, certamente há casos de violência contra mulheres, e certamente você ouviu falar de pelo menos um deles. Em recente levantamento, a ONG Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos apontou que uma mulher é agredida a cada 15 segundos no Brasil, e uma em cada quatro afirma já ter sofrido violência. Há que se considerar também que existem as que não afirmam – por medo ou vergonha.

Essas mulheres não são co-autoras de seu assassinato. É recorrente a trama montada para torná-las rés, para justificar suas mortes nas ações delas mesmas, para tolerar a violência. “Que sirvam de exemplo”, parece que dizem.

Num mundo em que a desigualdade entre mulheres e homens se expressa visivelmente desde na divisão das tarefas domésticas até no controle dos corpos delas pela Igreja ou pelo Estado, passando pela realidade de violência e pela discriminação no mercado de trabalho ou por serem tratadas como objetos descartáveis na rua e na TV; ninguém pode dizer que não sabia; nem fazer piadinhas que celebram os casos. São mulheres de carne e osso, não são personagens de novela.

Os criminosos são homens, esses que as mataram. E são cúmplices todos os que a toleram ou que buscam subterfúgios no comportamento da vítima para declará-la culpada por sua própria morte. São cúmplices silenciosos, igualmente, aqueles que fingem que machismo, discriminação e opressão são peças de ficção.

Fonte: http://terribili.blogspot.com/2010/07/uma-velha-historia.html


Programação da VI Semana BH sem Homofobia

16/07/2010 - Lançamento das Campanhas:

-Fique sabendo!
-Não abaixe a cabeça pra Homofobia!

Local: Sede do CELLOS-MG
Horário:19h
Endereço: Av. Afonso Pena, 867, Sala 2207, Centro, BH-MG

17/07/2010 - A Diversidade na Praça

Local: Praça do Colégio Arnaldo
Horário: A partir das 13h

17/07/2010 - Video Pipoca e Bate Papo

Local:Sede do CELLOS-MG
Horário:16h
Endereço: Av. Afonso Pena, 867, Sala 2207, Centro, BH-MG

18/07/2010 - Volei da Diversidade

Local: Colégio Marconi
Horário: 14h
Endereço: Avenida do Contorno 8476 bairro Santo Agostinho.

19/07/2010 - Cerimônia: Homenagens, Lembranças, Respeito e Dignidade: Travestis e Transexuais

Local: Auditório do CRP-04
Horário 19h.
Endereço: R. Timbira, 1532, 6º andar, Lourdes,

20/07/2010 - Seminário: Lesbianidade, Feminismo e Patriarcado

Local: Auditório do CRP- 04, 20h,
Horário: 19h
Endereço: R. Timbira, 1532, 6º andar, Lourdes

21/07/2010 -Seminário: Noticiando o arco-íris: por uma mídia cidadã e sem homofobia

- Lançamento do Manual de Comunicação LGBT

Local: Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais
Horário: 19h
Endereço: Av. Alvares Cabral, 400, Centro, BH-MG

22/07/2010 - Cerimônia da entrega do VI Prêmio Direitos Humanos e Cidadania LGBT

Local: Museu Histórico Abílio Barreto
Horário: 19h
Endereço: Av. Prudente de Moraes, 135 – Cidade Jardim

23/07/2010 - VIII Seminário Saúde e Visibilidade LGBT

Local: Auditório da Secretaria Municipal de Políticas Sociais:
Horário: 9h às 18h.
Endereço: Rua Espírito Santo, 505, 18° andar-Centro-BH-MG

Realização: ALEM e CELLOS-MG

- Lançamento do Plano Municipal de Enfretamento as DST-AIDS para Gays e outros HSH e Travestis e mesa de DST-AIDS

Local: Auditório da Secretaria Municipal de Políticas Sociais:
Horário: 18h30
Endereço: Rua Espírito Santo, 505, 18° andar-Centro-BH-MG

24/07/2010 - VI Caminhada das Lésbicas, Bissexuais e Simpatizantes

Local: Praça Sete - Centro- BH, a partir 13h.
Horário: concentração a partir das 13:00.
Realização: ALEM

24/07/2010 - Festa Oficial da 13ª Parada do Orgulho LGBT de Belô

Local: Gis Club
Horário:22h
Endereço: Avenida Barbacena, 33, Barro Preto.

25/07/2010 - 13ª Parada do Orgulho LGBT de Belô

Praça da Estação, 11h

NOTA DE REPÚDIO

A União Nacional dos Estudantes vem a público repudiar a charge do cartunista Nani reproduzida no blog do jornalista Josias de Souza no dia 8 de julho de 2010 por se tratar de uma manifestação absurda do machismo que atinge diariamente as mulheres.

O preconceito expresso na nota é fruto do estranhamento que ainda há, por parte de alguns, à presença das mulheres nos espaços da política e da disputa de poder. É como se isso não pertencesse as mulheres e como se não tivessem direito à participação política, exatamente como séculos atrás. É como se a pena para essa desobediência fosse a desqualificação moral, os ataques pessoais e a violência. É como se o tempo todo estivessem dizendo: a política não lugar das mulheres.

É comum que mulheres na política sejam ofendidas e desqualificadas a partir de elementos da sua vida pessoal - com uma rigorosa observação em relação ao seu estado civil, sua sexualidade e sua dedicação ao trabalho doméstico -; ou com adjetivos que em nada podem adjetivar sua atuação política. Esse constrangimento imposto às mulheres tem o objetivo nítido de restringir sua presença no “masculino” espaço público.

O chargista e o blogueiro utilizam-se do machismo para desqualificar o comportamento político da candidata Dilma Roussef, por isso colocam-se entre aqueles que consideram intolerável a presença das mulheres nos espaços públicos.

Pela sua história de luta contra qualquer forma de discriminação, a Diretoria de Mulheres da UNE condena a charge e sua publicação, esperando que a campanha eleitoral não seja marcada pelo derespeito a inúmeras brasileiras que ousaram desafiar neste ano de 2010 o machismo presente na política.

Diretoria de Mulheres da UNE

Patriarcado da violência

A brutalidade não é constitutiva da natureza masculina, mas um dispositivo de uma sociedade que reduz as mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens

10 de julho de 2010 | 11h 49
Debora Diniz
Estadão

Eliza Samudio está morta. Ela foi sequestrada, torturada e assassinada. Seu corpo foi esquartejado para servir de alimento para uma matilha de cães famintos. A polícia ainda procura vestígios de sangue no sítio em que ela foi morta ou pistas do que restou do seu corpo para fechar esse enredo macabro. As investigações policiais indicam que os algozes de Eliza agiram a pedido de seu ex-namorado, o goleiro do Flamengo, Bruno. Ele nega ter encomendado o crime, mas a confissão veio de um adolescente que teria participado do sequestro de Eliza. Desde então, de herói e "patrimônio do Flamengo", nas palavras de seu ex-advogado, Bruno tornou-se um ser abjeto. Ele não é mais aclamado por uma multidão de torcedores gritando em uníssono o seu nome após uma partida de futebol. O urro agora é de "assassino".

O que motiva um homem a matar sua ex-namorada? O crime passional não é um ato de amor, mas de ódio. Em algum momento do encontro afetivo entre duas pessoas, o desejo de posse se converte em um impulso de aniquilamento: só a morte é capaz de silenciar o incômodo pela existência do outro. Não há como sair à procura de razoabilidade para esse desejo de morte entre ex-casais, pois seu sentido não está apenas nos indivíduos e em suas histórias passionais, mas em uma matriz cultural que tolera a desigualdade entre homens e mulheres. Tentar explicar o crime passional por particularidades dos conflitos é simplesmente dar sentido a algo que se recusa à razão. Não foi o aborto não realizado por Eliza, não foi o anúncio de que o filho de Eliza era de Bruno, nem foi o vídeo distribuído no YouTube o que provocou a ira de Bruno. O ódio é latente como um atributo dos homens violentos em seus encontros afetivos e sexuais.

Como em outras histórias de crimes passionais, o final trágico de Eliza estava anunciado como uma profecia autorrealizadora. Em um vídeo disponível na internet, Eliza descreve os comportamentos violentos de Bruno, anuncia seus temores, repete a frase que centenas de mulheres em relacionamentos violentos já pronunciaram: "Eu não sei do que ele é capaz". Elas temem seus companheiros, mas não conseguem escapar desse enredo perverso de sedução. A pergunta óbvia é: por que elas se mantêm nos relacionamentos se temem a violência? Por que, jovem e bonita, Eliza não foi capaz de escapar de suas investidas amorosas? Por que centenas de mulheres anônimas vítimas de violência, antes da Lei Maria da Penha, procuravam as delegacias para retirar a queixa contra seus companheiros? Que compaixão feminina é essa que toleraria viver sob a ameaça de agressão e violência? Haveria mulheres que teriam prazer nesse jogo violento?

Não se trata de compaixão nem de masoquismo das mulheres. A resposta é muito mais complexa do que qualquer estudo de sociologia de gênero ou de psicologia das práticas afetivas poderia demonstrar. Bruno e outros homens violentos são indivíduos comuns, trabalhadores, esportistas, pais de família, bons filhos e cidadãos cumpridores de seus deveres. Esporadicamente, eles agridem suas mulheres. Como Eliza, outras mulheres vítimas de violência lidam com essa complexidade de seus companheiros: homens que ora são amantes, cuidadores e provedores, ora são violentos e aterrorizantes. O difícil para todas elas é discernir que a violência não é parte necessária da complexidade humana, e muito menos dos pactos afetivos e sexuais. É possível haver relacionamentos amorosos sem passionalidade e violência. É possível viver com homens amantes, cuidadores e provedores, porém pacíficos. A violência não é constitutiva da natureza masculina, mas sim um dispositivo cultural de uma sociedade patriarcal que reduz os corpos das mulheres a objetos de prazer e consumo dos homens.

A violência conjugal é muito mais comum do que se imagina. Não foi por acaso que, quando interpelado sobre um caso de violência de outro jogador de seu clube de futebol, Bruno rebateu: "Qual de vocês que é casado não discutiu, que não saiu na mão com a mulher, né cara? Não tem jeito. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". Há pelo menos dois equívocos nessa compreensão estreita sobre a ordem social. O primeiro é que nem todos os homens agridem suas companheiras. Embora a violência de gênero seja um fenômeno universal, não é uma prática de todos os homens. O segundo, e mais importante, é que a vida privada não é um espaço sacralizado e distante das regras de civilidade e justiça. O Estado tem o direito e o dever de atuar para garantir a igualdade entre homens e mulheres, seja na casa ou na rua. A Lei Maria da Penha é a resposta mais sistemática e eficiente que o Estado brasileiro já deu para romper com essa complexidade da violência de gênero.

Infelizmente, Eliza Samudio está morta. Morreu torturada e certamente consciente de quem eram seus algozes. O sofrimento de Eliza nos provoca espanto. A surpresa pelo absurdo dessa dor tem que ser capaz de nos mover para a mudança de padrões sociais injustos. O modelo patriarcal é uma das explicações para o fenômeno da violência contra a mulher, pois a reduz a objeto de posse e prazer dos homens. Bruno não é louco, apenas corporifica essa ordem social perversa.

Outra hipótese de compreensão do fenômeno é a persistência da impunidade à violência de gênero. A impunidade facilita o surgimento das redes de proteção aos agressores e enfraquece nossa sensibilidade à dor das vítimas. A aplicação do castigo aos agressores não é suficiente para modificar os padrões culturais de opressão, mas indica que modelo de sociedade queremos para garantir a vida das mulheres.

DEBORA DINIZ É ANTROPÓLOGA E PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

A biblioteca do Congresso Americano reúne fotos históricas da luta pelo voto das mulheres. Segue abaixo algumas:






Legenda:

1. Mulheres sufragistas protestando na frente da Casa Branca (acervo do Partido Nacional de Mulheres), fevereiro de 1917

2. Governador do estado de Kentucky, Edwin P. Morrow assina a "Emenda Anthony" em 6 de janeiro de 1920. Foi o 24º estado a ratificá-la

3. Campanha do Voto em New Jersey (entre 1914 e 1920)

Fonte: http://www.loc.gov/rr/print/list/076_vfw.html
Dica de filme sobre
movimento sufragista
nos Estados Unidos
FILME: Anjos Rebeldes

Título original: Iron Jawed Angels
Lançamento: 2004 (EUA)
Direção: Katja von Garnier
Elenco: Hilary Swank, Margo Martindale, Anjelica Huston, Frances O’Connor, Lois Smith, Vera Farmiga, Brooke
Smith, Adilah Barnes, Laura Fraser, Semen Hirzhner, Jeremy Nichols, Donna York Dunn, Kristina Vensko, Molly Parker, Lois Sanders.
Duração: 123 minutos Gênero: Drama
Estúdio: HBO Films / Spring Creek Productions / Blue Dominion Productions Inc.
Sinopse:

Em 1912, Alice Paul, que viveu um bom tempo na Inglaterra, vai com sua melhor amiga se encontrar com a reverenda Anna Howard Shaw, que preside a Associação Nacional das Mulheres Sufragistas. Alice, feminista, está disposta a arriscar tudo para obter uma emenda na constituição que permita que todas as americanas votem. Elas querem organizar uma passeata em Washington no dia da posse do presidente Woodrow Wilson. Para isso, conseguem o apoio da líder das operárias de uma grande fábrica. Ida Wells-Barnett, uma negra de Chicago, diz que marchará desde que as negras fiquem junto com as brancas. Emily, esposa do senador democrata Thomas Leighton, cujo partido é contra o voto feminino, também se envolve na causa.
No dia da passeata muitas pessoas foram aplaudir ou protestar. O clima era cada vez mais tenso, pois os que protestavam se mostravam agressivos.

Fontes: adorocinema.com.br / Almanaque da Mulher: a incrível jornada ( SNMT da CUT Brasil, 2009) / com edição do Blog Mulheres em Marcha